sexta-feira, 20 de março de 2009
"Sim. O estilo abrange tudo. Qualquer um pode fazer planos extravagantes. Há quem julgue que o estilo consiste em mexer a câmara sem parar. Isso é muito comum. Vi um filme, uma noite destas. O realizador não sabia parecer o que estava a fazer: havia planos fixos, outros que não paravam quietos. Perguntei-me o que levaria este realizador a chamar a atenção para ele, quando havia dois bons actores. Era neles que se devia concentrar. A mesma coisa com uma paisagem: se é boa, é suficiente. Tomemos o filme de John Ford, MY DARLING CLEMENTINE [A PAIXÃO DOS FORTES, 1946]. Estou a pensar no plano de Henry Fonda, sentado na varanda, os pés no parapeito. É um plano bastante largo, que dura e que conta imensas coisas. Há um milhão de histórias, neste plano. Hoje, fariam um zoom sobre o rosto da personagem, antes de andar à volta dele com a "dolly" até apanhar o outro perfil, antes de fechar sobre o rosto muito depressa. Perder-se-ia muito tempo, quando basta um único belo plano. É preciso ter a coragem de fazer durar um plano sem mexer a câmara."
(Clint Eastwood, às tantas, numa entrevista com Nicolas Saada e Serge Toubiana - "Clint Eastwood: Um Homem com Passado", Edição Cinemateca)
(Clint Eastwood, às tantas, numa entrevista com Nicolas Saada e Serge Toubiana - "Clint Eastwood: Um Homem com Passado", Edição Cinemateca)
quarta-feira, 11 de março de 2009
O volume 13 faz uma rima catita com o amigo Chamberlain. Sai a meados de Julho e é o último. Eu não leio 'comics', que fique escrito. '100 Bullets', de um tal Azzarello (não sei quem é, não me interessa, não é bom saber que gente é esta, digo-vos eu), é, vá, dogma nisto: 'outra qualquer coisa'. Palavra, isso que fique bem entendidinho por todos: eu não leio 'comics', pelo amor de Deus; eu releio Turguéniev. E a Nina Berberova, é o que eu leio, Turguéniev e Berberova. Enfim, eu tenho uma imensidão de defeitos de carácter. Não levem a mal tamanha tacanhez, não é caso. Nunca fui íntimo do mundo dos 'comics' e sofro ainda de criminoso preconceito. O meu super-herói era o Paulinho Cascavel, figura suprema da minha infância. Ele e o cabelo do Bozinovski. Eu nem no 'Tintin no Congo' devo ter posto a vista em cima. Li certa vez uma coisa muito acima do decente do Joe Sacco sobre a Palestina (e tenho outra dele por ler); li o 'Watchmen' de um sopro (sem me hipnotizar). Compreendam-me: cínico e presumido que sou, trocei sempre que me fartei de amigos cegos de espírito por 'comics' – ora essa, claro que trocei – 'I always contradict myself.' Que dilema moral inaudito: amar Turguéniev, andar seduzido à barda por '100 Bullets'; o perspicaz jovem russo Bazárov lado a lado com Cole Burns (pesquisem, distraiam-se) será delito num mundo perfeito. A verdade é que isto transpira ao universo Tarantino por todo o santo lado (e Elmore Leonard e Ellroy e toda essa gente amiga). A verdade é que fiquei aferrado a isto nos últimos dias de detenção forçada por casa à conta da tacícula. Vou para o quarto volume; como isto sairá caro e mais caro; preferia nunca ter pegado num que por aqui tinha há ano e tal emprestado. Deus me livre de me depravar noutra destas! Eu releio Turguéniev, pelo amor de Deus, isto não está nada certo. E as considerações do Samir Kassir, um tipo singularmente bonito. E a Havana do Cabrera Infante, é isto que eu leio, a narração ponto por ponto de uma masturbação ao Cabrera Infante numa sala de cinema ‘habanera’. E o William Gaddis? Não há pai para o William Gaddis, um fulano que não entendo nada de nada, que me tiraniza linha por linha (e passo já a palavra ao Jonathan Franzen a respeito do 'The Recognitions' ("Gaddis's 956-page first-novel"): "There were quotations in Latin, Spanish, Hungarian, and six other languages to be rappelled across. Blizzards of obscure references swirled around sheer cliffs of erudition, precipitous discourses on alchemy and Flemish painting, Mithraism and early-Christian theology." E as capas da colecção? E o Pacheco Pereira que vê ‘Deadwood’? E Ratatat? (Vídeo de inquietante hilaridade e música enjoativa; Ratatat faz, ainda assim, as delícias de determinada casa em Veneza inundada por estudantes de arquitectura.) E Marrocos com os outros dois do InterRail? E deportar o Miguel Veloso para a Crimeia? E a Cristiane Cardoso (via Provas de Contacto)? (Zero em cinco, bravo.) E o Eastwood que estreia já amanhã? E o James Gray que nunca mais estreia? E o Guilherme Aguiar também partiu o braço? E qual é o problema do Silvio Cervan? Já tirei o gesso, já me visto sozinho.
segunda-feira, 2 de março de 2009
Entretanto, deixo-vos com três minutos de Shakespeare na Cova da Moura
(...) Só para ficar mais descansado, transformei o visionamento dos quatro primeiros episódios numa desesperada caça ao cliché. Não tive grande sucesso. A língua inglesa é claramente a actriz principal, mas vê-se que passou anos a treinar para isto. Está mais gorda, mas ganhou agilidade; consegue saltar por cima das coisas; consegue esconder-se atrás de outras coisas; é tudo muito bonito. O espremido livro de estilo do police procedural também foi brutalmente vandalizado. Há algum fervor antropófago na sequência em que o McNulty vai ver um jogo de futebol do filho e conversa sobre direitos de visita com a ex-mulher, mas regra geral os guiões têm-se comportado como se a televisão tivesse sido inventada ontem à tarde. Há uma enorme vala comum no meio daquilo tudo onde as convenções foram enterradas: os guiões limitam-se a ir lá de vez em quando para mijar em cima dos cadáveres. (...)
(Viva o Major Rawls, um filho da mãe encantador.)
(Viva o Major Rawls, um filho da mãe encantador.)
Com os diabos, fui a Itália, caí de uma maneira patética na neve e fracturei a tacícula radial. Que idiotice impensável. Seja o que for a dita tacícula, garanto que ando aqui que nem posso a sofrer. Em imundo sofrimento. É tudo muito espinhoso com o meu braço esquerdo agarrado ao gesso. Lido tão e tão mal com a dor, estou capaz de choramingar e suplicar por analgésicos. E passear por Veneza engessado?, que pinta, que aberração; calhou ser Carnaval. Mantenho-me um tipo mui influenciável: agora reparo no Joaquin Phoenix e quero desmesuradamente uma barba igual. Dêem-me assim mais um mês ou isso que chego lá; não há cá barba feita, essa é que é essa, enquanto o braço esquerdo não voltar a cooperar por inteiro com o dono. Pensemos ainda no amigo Joaquin por mais dez segundos: uma pessoa deve sempre por sempre respeitar a escuridão da alma alheia. Estou muito grato às duas pessoas do 'Centro Traumatologico di Courmayeur', mas, lá está, mais grato estaria se me enviassem de vez a radiografia que por lá esqueci.
* não é fácil livrar-me de coisas supérfluas: não posso ver nada, agora quero uns óculos iguais.
* não é fácil livrar-me de coisas supérfluas: não posso ver nada, agora quero uns óculos iguais.
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«I always contradict myself»
Richard Burton em Bitter Victory, de Nicholas Ray.