terça-feira, 6 de maio de 2008

O Nadador

Era um daqueles domingos de Verão em que toda a gente fica sentada a dizer: "Ontem à noite bebi demais." Podiam-se ouvir os fiéis a sussurrá-lo ao sair da igreja, ou da boca do próprio padre, a tentar livrar-se da sotaina na sacristia, podia -se ouvir no golfe e no court de ténis, ou na reserva natural onde o chefe do grupo Audubon de observadores de pássaros curtia uma tremenda ressaca . "Bebi demais", disse Donald Westerhazy. "Todos bebemos demais", disse Lucinda Merrill. "Deve ter sido o vinho", disse Helen Westerhazy. "Bebi demais daquele clarete."

Passava-se isto na borda da piscina dos Westerhazy. A piscina, alimentada por um poço artesiano com alto teor de ferro, era de um verde pálido. Estava um dia magnífico. A Oeste havia uma densa formação de cúmulos tão parecida com uma cidade vista de longe - da proa de um barco que se aproximasse - que podia ter um nome. Lisboa. Hackensack. O sol estava quente. Neddy Merrill estava sentado junto da água verde, uma mão lá dentro, outra à volta de um copo de gin. Era um homem esguio - parecia ter a elegância particular da juventude - e embora estivesse longe de ser novo, nessa manhã descera a escorregar pelo corrimão e dera um piparote nas costas de bronze da Afrodite de cima da mesa da entrada, enquanto trotava em direcção ao cheiro do café na sala de jantar. Poderia ser comparado a um dia de Verão, mais precisamente às últimas horas da tarde, e apesar de não trazer uma raquete de ténis nem um saco de vela, a impressão que dava era decididamente de juventude, de desporto e de tempo ameno. Tinha estado a nadar e agora respirava profundamente, arquejante como se pudesse engolir pelos pulmões os elementos desse momento, o calor do sol, a intensidade do prazer que sentia. Parecia fluir-lhe tudo para o peito. A casa dele ficava em Bullet Park, cerca de treze quilómetros para Sul, onde as suas quatro lindas filhas teriam já almoçado e deviam estar a jogar ténis. Ocorreu-lhe então que se fizesse um desvio para Sudoeste podia ir a nadar para casa.

A vida dele não era uma prisão, e o prazer que esta observação lhe deu não se podia explicar pela evasão que sugeria. Parecia estar a ver, com olho de cartógrafo, a enfiada de piscinas, aquele ribeiro quase subterrâneo que traçava uma curva através da região. Tinha feito uma descoberta, uma contribuição para a geografia moderna; iria dar ao ribeiro o nome de Lucinda, como a mulher. Não era pessoa dada a brincadeiras nem era parvo nenhum, mas era decididamente original e tinha uma vaga e modesta ideia de si próprio como uma figura lendária. O dia estava bonito e pareceu-lhe que nadar uma grande distância podia aumentar e comemorar essa beleza.
(...)

John Cheever, O Nadador
Tradução de José Lima
FICÇÕES de férias


(O resto do mais célebre conto do Cheever aqui; imprimam e leiam; é sublime, pois claro, e lembra-me vagamente o "Babilónia revisitada" do Fitzgerald que podem encontrar no FICÇÕES de filmes.)

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