quarta-feira, 11 de junho de 2008

Guti

Sou como Valdano: percebo de bola. Sou como Valdano: comigo Guti tinha liberdade absoluta em campo. Vem isto a propósito da sua não convocação para este Euro que me parece criminosa. E eu tenho Aragonés em boa conta (não digo isto de muita gente). Não me levem a mal, eu percebo que meio mundo não entenda a não convocação de Raúl, eu percebo, palavra, mas também não o convocava por capricho. O que me choca mesmo é a não convocação do mais genial jogador espanhol aí da última dezena de anos. Jogador que como todos os da sua estirpe é votado volta não volta a um certo desprezo cativante. Tenho uma explicação para isso: creio que é por ser bonito em demasia e por ter um talento incomodativo - o tipo trata a bola com um carinho quase censurável. E pasme-se: fora Pirlo, Deco, Seedorf - que por vontade própria, e muito bem que eu fazia o mesmo, decidiu não se aborrecer com isto do Euro -, e toda aquela gente criada em Barcelona (Xavi, Iniesta e Fabregas - a linhagem de Guardiola, está claro), ninguém mais demonstra tamanha inteligência em campo que o rapaz nascido em Torrejón de Ardoz - que, calculo eu que não conheço a dita área ali ao pé de Madrid, deva ser um sítio bem agradável de ser estar. A Espanha calcou a Rússia do Hiddink num jogo que consegui perder por ter ido ver os juniores do meu clube com o Leixões. Aquilo, a selecção espanhola, tem um aspecto encantador, o melhor aspecto deste Euro - de longe. Fosse eu o Aragonés e pegava em Guti, Xavi, Iniesta e Fabregas e misturava-os bem misturados. Um meio-campo que tinha tudo para ser uma péssima ideia, mas um meio-campo delicioso no papel para um tipo hedónico como eu, e adiante, adiante, que isto nem discussão tem. "Decidam vocês em que sítio cada qual prefere jogar", dizia aos quatro antes referidos. "Caso não se entendam, não sei, peguem em papelinhos e tirem à sorte, não me aborreçam com minudências dessa ordem; ainda falta aqui um beque central (que não Marchena) e um beque esquerdo (que não Capdevilla) para ter à minha disposição onze tipos perto da perfeição; mas vocês entendem a minha tragédia?" Concluía eu depois com máximo acerto: "Corram pouco ou nada e troquem a bolinha como mais vos aprouver e de quando em vez - lembrem-se disto, vá lá - passem-na ao Torres ou ao Villa e corram eles que têm corpo para isso." Era o que lhes dizia. Sem tirar nem pôr. As conferências de imprensa do Scolari em Inglaterra, palpita-me, serão memoráveis. Portugal tem obrigação (leia-se: jogadores; leia-se: Ronaldo, Deco, Carvalho, Pepe e Bosingwa - a que Scolari pode juntar quando entender Quaresma e Nani) de chegar à final sem que tal seja tarefa hercúlea. Nenhum tipo da selecção alemã me abana qualquer nervo. O Murtosa em Stamford Bridge é giro de imaginar aussi. Isto tudo, claro, para escrever o que se segue: vi um livre do Diogo Rosado no outro dia, no tal jogo de juniores com o Leixões, deus meu, nem vos digo nem vos conto.

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«I always contradict myself»

Richard Burton em Bitter Victory, de Nicholas Ray.