sábado, 26 de julho de 2008

o Thomas Jefferson e o Sabiha Gökçen

Chego a Hendaya ou isso às sete da manhã de domingo com o M. e siga para Paris e etc. etc. etc.. Vou de comboio em comboio agarrado ao quase nada que me vai sobrando; pouco se deixa para trás; sempre fiel ao meu egoísmo. O A. apanha-nos em Paris. (Nota: comprar sandes para não vomitar até Hendaya - sim, conto beber até lá, beber pelo gargalo.) Gosto de referir que vou numa espécie de interrail, numa derivação de interrail, e não num interrail clássico, puro e duro, já que isso dá sempre uma imagem feia e imunda. Sou, de verdade, o inverso: um tipo limpo, asseado. Acresce a isto: mui comodista. O meu interrail será, assim possa, ao nível da viagem de comboio dos Whitman - detalhe novo ao terceiro visionamento de "The Darjeeling Limited" (dvd gentilmente emprestado pelo Hugo): macacos me mordam se na primeira cena da Anjelica Huston - quando a criançada se decide a aparecer-lhe pela frente no tal convento no sopé dos Himalaia - ela não vem abraçada com todas as forças do seu ser a um livro sobre o Jefferson, sobre o Thomas Jefferson. This just keeps getting better and better. O Obama falou em Berlim para uma floresta de gente e eu não ouvi e eu ando muito a leste. Passo por Berlim, disso sei. E pela Sérvia. O Chaves conta que as miúdas mais giras do mundo estão na Bósnia (parece que não se passa por lá, não é certeza); quer que lhe compre uma Leica no mercado de Sófia. Vou na passeata por ser o mais bonito e o mais perdido dos três: quem caminha de lado algum para lado algum. Falta na viagem o amigo Carlos e é uma pena daquelas. Quero parar em Leuven pela Kimmy: quero vê-la: quero revê-la: quero dizer-lhe olá e adeus. Na Holanda fica-se em Delft, em casa da Sofia que anda a tirar doutoramento ou semelhante. A verdade é que ter já lido Yates (e o próprio jovem Torless) com uma idade decente, pode e deve colocar-me numa posição modestamente invejável para suportar toda uma vida de pequenos e sucessivos fracassos. Não comprei o "Lacrimae Rerum", mas já estou fino do torcicolo e tenho uma nova almofada ortopédica. A Vera diz que sou hipocondríaco e picuinhas. Rejeito uma das duas. "Então és parvo", "Parvo é quem fala" pensei eu, mas para meu próprio espanto não o disse. Deixei cair o telemóvel na fresta do elevador e foi parar à cave e morreu e perdi-lhe o número. Nunca mais decorei um número de telemóvel desde um dia, desde um número tatuado no cérebro que nunca vai sair - por muito corajoso que um homem seja, não é corajoso em todas as ocasiões. Anda sempre com aquele rosto coquete, quase amuado. "Vamos finalmente ter uma briga para ver se há fio que valha a pena partir?", pensei e disse (não com este discurso afectado, mas bêbedo, sem dominar as palavras que saíam tortas e desordenadas como todas estas linhas). Os olhos dela fugiram; não respondeu. Com os diabos, eu nunca percebi quando me aproximar e afastar de uma rapariga. Um tipo aproxima-se de outra pessoa para se divertir ou para a amar; não há nada de mau nisso. Para não a fazer sofrer, de repente, esconde uma coisa. Assim começa o desastre. Eu fazia-a rir. Com a K dá igual: jogos mentais de idiota inato. "És contraditório", disse-me ela. Pois que sim. "Estás muito bêbedo?", "Seis e meio". Calha bem despedirmo-nos assim; não sei que pensar. Já não dá para ir ao lar e dizer adeus à dona Zizi, minha ex-vizinha; fui idiota em não ter ido quando podia. Ao tirar o passaporte fui obrigado a pentear o cabelo para trás das orelhas. Foi situação muito vexante, benza a Deus; daí fui cortá-lo e trinta euros. Levo muito livro, livro a mais: "Mocidade" do Conrad, "Men Without Women" do Hemingway (oh, o clichééé), Breece D'J Pancake (não conhecem, é só meu amigo e de mais ninguém), "Estação" do Nuno Bragança, "A puta e o lacaio" da Nina Berberova, e "Fuga sem fim" do Joseph Roth (rico título, amigo Roth). São todos minúsculos e é muito comboio. Já vos falei nas minhas Sanuk - um balúrdio mas há quer ser generoso com o dinheiro do jogo. O Brad Pitt, reparei, tem umas parecidas. Queria ainda agradecer ao João Leitão: foi proveitoso, isto. O meu nariz faz sombras para todos os lados - que maçada -, e tenho dores de barriga no cérebro. Troquei com o amigo W. o "Miami Vice" dele por uma cerveja, um croquete e dois dvd meus que detesto: o "Assassinos Natos" do Stone, mais o "American Psycho" não sei de quem - que duas boas merdas que não valem dois cuspos. Já falar neste preciso momento na contratação do Ricardo Batista faz tremer cada nervo meu, não apenas a voz - fiquei tão pálido como o papel. I am tired, I am weary / I could sleep for a thousand years / a thousand dreams that would awake me (...). Tenho andado envolto numa potentíssima corrente de sonhos. Não, palavra de honra, dispensava-os de bom grado. Provocam-me terror. Gostava de escrever horóscopos e cá me parece que a minha tartaruga Jakob está cega. Que me dizem desta chuva matutina de sexta? Cá aposto que desisto da viagem mal esteja a tentar fazer a mochila e nada lá couber. Espero estar dia 15 no Sabiha Gökçen.

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«I always contradict myself»

Richard Burton em Bitter Victory, de Nicholas Ray.