quinta-feira, 27 de março de 2008
Richard Widmark
Um tipo acorda e fica meio estupidificado a olhar para uma notícia destas. O Widmark morreu. Cá confesso que nem o sabia vivo, mas fico acometido por aquela nostalgia usual, meio terna, meio mal-humorada. O Widmark, actor de patamar mítico, morreu. O Widmark da minha memória mais habitada é o Widmark de Fuller, o Widmark de "Pickup on South Street". O acaso é uma útil invenção dos homens para isto: revi o filme de Fuller não chega há duas semanas. Encarnava o tal anti-herói em que Widmark era figura perfeita; no papel de protagonistas "sombrios, frios como répteis" - como escreve o Luís Miguel Oliveira como sempre com acerto. Widmark tinha agora 93 anos, idade ultra respeitável (ia escrever "idade bonita", mas não existe uma qualquer "idade bonita" para se morrer; é uma frase imbecil). Aconteceu o que sempre acontece. Fica o registo de um trabalho de notar.
Outros dois filmes, outros dois noirs cá da casa são "Kiss of Death", 1947, de Henry Hathaway - primeiro filme de Widmark, no papel de um tipo sádico, Tommy Udo, riso fácil, malévolo, que lhe valeu de imediato a nomeação para o Óscar de melhor actor secundário; e "Night and the City" (imagem de cima), 1950, de Jules Dassin, no papel do escabroso (não é esta a palavra que eu quero) Harry Fabian com a bonita bela linda sublime excelsa Gene Tierney. É um dos meus três, quatro, cinco ou dez noirs de eleição (como também o é "Pickup...", de resto).
De chofre recordo outro filme com Widmark: "Two Rode Together" ("Terra Bruta"), 1961, um dos Fords mais tardios - entre "Seargent Rutdlege", 1960, e "The Man Who Shot Liberty Valance", 1962, com Widmark lado a lado com outro mito, James Stewart. Ford baralha as cartas e volta a dar; as regras do jogo mudam para o espectador: as pré-concebidas ideias que temos de Widmark e Stewart são invertidas: é fácil de simpatizar com Widmark, corajoso tenente de cavalaria, enquanto que Stewart, o sempre easy to like Stewart, faz de tudo para que assim não o seja. (Ford, genial.)
Última memória de Widmark actor vai para "Madigan", 1968, retrato da podridão no meio policial de Nova Iorque, um dos não muito conhecidos ou admirados filmes de Don Siegel. Aqui, Widmark, já com cinquenta e muitos anos, contracena com outro gigante, com outro easy to like actor americano (o maior deles todos?): Henry Fonda.
No final, no final de tanto papel de "duro", de tanto papel de tipo imperfeito, mesmo perverso, uma única certeza: era difícil não se gostar de Widmark. Um tipo acorda e lê que o Widmark morreu.
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