quarta-feira, 12 de março de 2008

Samantha Power

Um dos cérebros mais bonitos dos democratas foi notícia no final da semana passada. Notícia pelas piores razões: Samantha Power, em entrevista ao jornal The Scotsman, lembrou-se de chamar "monstro" a Hillary Clinton. A citação exacta: "'She is a monster, too – that is off the record – she is stooping to anything,' Ms Power said, hastily trying to withdraw her remark". Ignore-se (ou tente-se) a parte em que Power diz "that is off the record"... O comentário é infeliz, escusado, exagerado, etc.; Samantha Power demitiu-se quase na hora de conselheira para a política externa de Barack Obama, e pediu as devidas desculpas à senadora de Nova Iorque - momento de fraqueza face às tácticas da campanha de Clinton nas últimas semanas, justificou. Convém dizer que Power não era, sequer, remunerada da campanha de Barack Obama - o que não atenua o que foi dito, mas importa ser sublinhado. No meio deste caso que não é assim tão caso - quem votaria em Obama não deixará de fazê-lo por um comentário de uma assessora - que importa reter? Interessa saber quem é esta Samantha Power; que papel teve até aqui na campanha-Obama; que papel não deixará de ter (acredito eu) caso Obama vença isto tudo no final.

Power, americana nascida na Irlanda, andou por Yale e doutorou-se em Harvard, trabalhou como jornalista - correspondente de guerra na ex-Jugoslávia -, e depois ganhou o Pullitzer em 2003 com este livro: "A Problem from Hell: America and the Age of Genocide", estudo sobre o genocídio durante o século XX (Iraque, Bósnia, Ruanda, Kosovo, Darfur, etc.) e as diferentes respostas dos Estados Unidos ao tema.
"Chasing the Flame: Sergio Vieira De Mello and the Fight to Save the World" é o seu mais recente livro, mui recentemente publicado. Power tem uma coluna na revista Time e é professora em Harvard e podem - altamente recomendado para quem tenha muito tempo livre entre as mãos - ler uma série de artigos seus aqui. É pelo genocídio no Darfur que Power conhece e passa a trabalhar com/aconselhar Barack Obama em matérias de política externa:


"In 2004, I came out of election night just completely depressed," Power says. "We thought Kerry would win and we'd all get a chance to change the world. But then it was like, 'Nah, same old thing.' " Obama gave her a place to channel her energy. She advised him on the genocide in Darfur, an issue that most politicians at the time were studiously avoiding. "He's a sponge," Power says. "He pushes so hard on policy ideas that fifteen minutes after you've started talking, he's sent you back to the drawing board. He doesn't get weighted down by the limits of American power, but he sees you have to grasp those limits in order to transcend them." (aqui)


É uma pena que Power saia da campanha de Obama desta forma, por uma estupidez de uma frase que pode muito bem pensar, mas jamais pode dizer. Era também inevitável: numa campanha que apregoa ser diferente, de tom unificador, que deseja não descer o nível dos ataques e respostas, não havia outra saída para Power. Face a uma campanha cada vez mais violenta por parte de Hillary Clinton e face a mais anúncios foleiros que aí virão (ao nível do já famoso-toque-de-telefone-às-três-da-manhã), desconfio que estas premissas de campanha “limpa” não possam ser cumpridas na íntegra até ao fim desta bodega. Mas que dure enquanto puder - não custa nada tentar, e, para todos os efeitos, Obama vai à frente na corrida democrata; é natural que Clinton ataque, nada mais lhe resta senão isso. (Se a campanha de Clinton lança hoje fortes ataques, a campanha de McCain lançá-los-á cem vezes mais fortes, cem vezes mais torpes. Obama deverá – terá de... – estar preparado para isto.) Quanto ao resto: tenho dúvidas que Samantha Power se descarte de facto de Obama. Atentem nisto e nisto e nisto - é tempo ganho; nem que seja só pelo cenário da BBC. Não é só pensar bem, é a celeridade com que o faz e a certeza das respostas que pasmam - tenho para mim que não entendi nadinha do que disse, mas fico encantado da vida só de a ouvir. Um cérebro bonito como este merece todo o carinho que a humanidade em geral e Obama em particular lhe puder dispensar.

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«I always contradict myself»

Richard Burton em Bitter Victory, de Nicholas Ray.